14 de outubro de 2007

Entrevista: Lívia Suassuna (UFPE)

POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO DE LEITORES
Outubro de 2007.

Durante a 6ª edição da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, Lívia Suassuna, formadora do Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (CEEL/UFPE), participou da mesa-redonda Políticas Públicas e formação de leitores: desafios e perspectivas. Após a fala, Lívia respondeu algumas questões a equipe do Portal CEEL.


CEEL- Quando se fala em formação do leitor, falamos para além dos alfabetizandos?
Lívia Suassuna - Tem duas coisas para considerar nesta pergunta. Uma é que quando a gente fala da formação do leitor a gente quer formar esse leitor que lê mundo. Que não é apenas porque lê mundo, porque se posiciona no mundo, porque sabe interpretar o mundo, mas é aquele leitor que faz uma leitura do mundo ampliada e mediada pela leitura da palavra. Daí a responsabilidade da escola de alfabetizar letrando, como a gente diz hoje, ou promover o letramento. E a gente entende letramento nesse sentido de inserção nas práticas sociais de leitura e escrita. Então existe essa concepção mais ampliada hoje do que seja ler, é muito mais do que dominar o sistema de escrita. É estar alfabetizado e dominar a tecnologia da escrita e pela mediação da palavra escrita fazer essa leitura de mundo. E quando a gente fala, sobretudo em termos de políticas educacionais, na hora que a gente fala da formação de leitor, a gente está falando muito da formação do leitor que está na escola, do aluno, seja ele quem for, da educação infantil até a universidade. A gente está sempre formando leitores. Agora, para formar leitores a gente tem que pensar também em quem é o professor que forma esse leitor e quais essas práticas sociais de escrita, leitura e letramento.

CEEL- E qual a importância dessas concepções ampliadas para os alunos das Licenciaturas?
Lívia Suassuna - Durante muito tempo, e ainda hoje um pouco, acreditou-se que a língua seria um código transparente, homogêneo e necessariamente tudo que tivesse escrito corresponderia a um dado da realidade. Nesse sentido, a gente então pegou a língua codificou, descreveu e normatizou nas gramáticas. Como essa é uma concepção de muito tempo, de muitos séculos até, então na escola, toda vida, predominou a leitura nesse sentido estreito da decifração do código. O ensino sempre foi centrado na regra do código e bom leitor era aquele que estivesse alfabetizado e fosse capaz de reproduzir o sentido presente na superfície dos textos. Hoje a gente trabalha com uma concepção diferente, tanto de língua como de texto, como de leitor. Porque? Porque nós entendemos que a língua é uma prática discursiva, social. Ela não é código, ela não é uma estrutura fixa. Ela é um processo cultural de geração de sentidos. Ela é interação social. A partir dessa concepção de língua a gente compreende de uma maneira mais ampliada o texto, e aí não basta ter uma soma de palavras e frases para ser texto. Os textos vêm definidos pelo sentido que ele carrega consigo. Aí ele pode ter uma, duas palavras ou mil, ele pode ter imagem ou não ter imagem, o importante é que ele seja portador de um sentido, a materialização de um sentido, de um ato lingüístico. A partir dessa visão nova do que seja língua, do que seja texto, a gente tem uma visão nova do que seja leitor. Que não é decifrar o código e nem repetir o que já está escrito ou o que já está dito, mas é construir esse sentido. Levantando hipóteses, testando, se posicionando, reconhecendo os contextos históricos de produção desses sentidos e desses textos.

CEEL- Então é preciso que os alunos das Licenciaturas tenham clareza dessa concepção para poder repassar para os futuros alunos essa nova visão de texto, de língua, de leitura?
Lívia Suassuna - Exatamente. E não só ele tem que ter uma clareza teórica dessas concepções de língua, texto e leitura, como ele, na universidade, tem que vivenciar uma prática diferenciada de leitura. Por isso que eu disse anteriormente que quando a gente fala do aluno, a gente fala de qualquer um que esteja dentro do sistema escolar e da formação desse aluno. O aluno de Letras também é um aluno, também tem práticas sociais de letramento que a gente precisa considerar e ampliar. Ele só pode ser um promotor de leitura nessa concepção ampliada se ele vivenciar essa prática.

CEEL- Além das políticas de estímulo a leitura como criação de bibliotecas, doação de livros, outras práticas como teatro, cinema, interpretação de publicidade. Tudo isso também contribui para estimular a prática da leitura?
Lívia Suassuna - Sim tudo. Sem dúvida. E a leitura é uma responsabilidade da escola. Ela é uma responsabilidade muito direta do professor de Língua, mas ela é responsabilidade de toda a escola. Todos os professores, nesse sentido mais amplo, são alfabetizadores. Por isso que hoje a gente fala em alfabetização matemática, alfabetização científica... Porque é uma questão de ensinar a lidar com linguagens que são portadoras e produtoras de sentido.

CEEL- Está se construindo uma idéia de que, nessa era digital, a biblioteca vai acabar. O imaginário popular parece pular a etapa da transformação ou da utilização simultânea de várias estratégias. Qual a sua opinião em relação a esta questão?
Lívia Suassuna - Eu sou admiradora e leitora de um professor aposentado da Unicamp que se chama Ezequiel Theodoro da Silva. Ele milita muito em favor da leitura e é fundador, presidente da Associação de Leitura do Brasil, uma entidade não governamental de utilidade pública que promove a leitura no Brasil, trabalha com a promoção da leitura, publica um periódico muito importante sobre leitura e realiza a cada dois anos o COLE que é o Congresso de Leitura do Brasil. E Ezequiel diz uma coisa muito interessante. Ele diz que não há recurso tecnológico que substitua a figura do professor, por conta do seu testemunho, da sua experiência de vida, da sua maturidade como leitor que ele vai usar a serviço da aprendizagem dos alunos. Então ele diz que não há recurso que possa substituir. Eu acho que, dentro dessa mesma linha, em função da importância cultural, da alegria que o texto gera, do prazer, do acúmulo de informações que a gente tem documentadas em livro, eu não tenho o menor temor com relação ao livro, não acho que vai faltar lugar pra ele, nem pra biblioteca na nossa escola, na formação dos leitores. Eu acho que as tecnologias vão se incorporar. Eu concordo com Carmem Bandeira, quando falou agora a pouco na mesa-redonda, e disse que a gente está pensando aqui que a biblioteca vai acabar, mas nós estamos de fato é com a biblioteca em questão. Que espaço é esse? O que é que vai vir a mais? O que é que vai vir a menos? O nome continua sendo biblioteca de biblio, livro? Você veja que o que a gente pratica na Internet é a leitura da escrita. O texto ao invés de estar deitado está mais em pé, ao invés de ser manuscrito ele é digitado, mas são práticas de leitura. É a escrita que está mediando aqueles sentidos todos. Então, eu não tenho a menor angústia com isso, nem acho que vai desaparecer professor por causa de tecnologia, nem acho que vai desaparecer livro e a documentação escrita.

Lívia Suassuna é Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), tendo defendido, sob orientação do Prof. Dr. João Wanderley Geraldi, a tese Linguagem como discurso - implicações para as práticas de avaliação. É professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, onde ministra a disciplina de Prática de Ensino de Português para alunos do Curso de Letras. Na pós-graduação, costuma ensinar Didática e Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa. Na qualidade de pesquisadora na área de ensino de Português e Literatura Brasileira, orienta trabalhos e participa de pesquisas e projetos diversos de formação de professores de 5ª a 8ª série e do ensino médio, inclusive dando assessoria a diferentes redes públicas de ensino. Tem várias publicações em sua área de atuação, entre elas o livro Ensino de Língua Portuguesa – uma abordagem pragmática (Ed. Papirus). Atualmente,vem se dedicando ao tema da avaliação educacional e da aprendizagem em linguagem.

Por Karla Vidal
Assessoria de Comunicação - Ceel UFPE

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